segunda-feira, 25 de maio de 2009

DONA DUDA – A Primeira Cirandeira do Brasil (do livro de Cylene Araújo) - Parte 3

O Desenvolvimento Comercial e Social do Janga

O primeiro bar inaugurado na praia do Janga foi o BAR COBIÇADO, de propriedade do casal Duda e Amaro, posteriormente sucedido por alguns outros estabelecimentos comerciais, todos com a direta, participação do mesmo casal. Dessa forma, Duda e Amaro participam da instalação do primeiro mercadinho, da primeira peixaria e do primeiro frigorífico.

O interessante é que a sua ciranda nos anos sessenta chamava-se COBIÇADA e o motivo dessa denominação vem do fato de que suas funções eram realizadas em frente ao bar do mesmo nome, de sua propriedade.

Em reconhecimento ao talento e à importância cultural que ela representa, o nome Dona Duda está estampado em placas de sinalização de trânsito em BR e, desde sua construção, na PE 22.

Caridade, Arte e Cultura

Na verdade, nela falou sempre mais alto o amor pela arte. Nos seus espaços culturais e de lazer, sempre esteve a promover por conta própria, os mais diversos espetáculos populares, por exemplo, dezenas de festivais de ciranda e de quadrilha junina, eventos que recebiam o prestígio da participação de alguns dos mais talentosos artistas da Música Popular Brasileira, entre eles Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Martinho da Vila. Nela sempre falou mais alto o prazer de mostrar as raízes das culturas populares nordestinas, em particular, as pernambucanas, muitas vezes através de palestras gratuitas para escolas públicas. A propósito, o sonho de Dona Duda, é a construção de um espaço cultural à beira do mar integrado a uma escola para a formação musical de crianças.


Depoimentos e um Pouco da Filosofia de Dona Duda

“Quando casei aqui no Janga, meu marido Amaro tinha “posses” e era considerado proprietário. Naquela época, só eles pagavam impostos. Praieiros e pescadores usufruíam de tudo e nada pagavam. Então resolvi compor uma ciranda assim:

Praia do Janga, só tem cajú e coqueiros
Em cada sítio daquele tem um dono
Embora pague o imposto todo ano
Naquela praia vida boa é dos praieiros
Na maré morta cada um faz seu viveiro
Que é pra pegar o peixe na emboscada
Quer ver bonito no tempo da trovoada
A maré bate na praia fazendo oiteiro


Anos depois eu soube que Baracho estava cantando a minha ciranda, que tinha gravado se dizendo o autor. Depois ouvi Teça Calazans cantando em CD, com autoria de Baracho. Então é assim, minha filha, eu criei e não me deram nem parceria”

“Criei muitas cirandas como até hoje faço. Baracho gravou muitas delas se dizendo autor. Algumas ele trocou o início de uma frase ou o final da letra para disfarçar. Mas eu sei do meu valor. Canto e escrevo letras, apesar do pouco estudo que tive,. Nunca me preocupei em essas histórias de ser estrela”

“Agora eu quero afirmar que falam por aí muitas coisas sobre a Ciranda. Que ela surgiu ali e acolá. Mas ninguém prova. Eu sou a prova viva de 81 anos (hoje, 86). Sempre vivi da ciranda esses anos todos. Nunca conheci ciranda antes da minha. Nem em Olinda, nem em Abreu e Lima, nem em Itapissuma, nem em Nazaré da Mata, nem no Recife, tão pouco em Itamaracá. Mais de 30 anos as prefeituras me convidando para ensinar ciranda em suas cidades e formar seus mestres. No início dos anos 70, já era chamada de madrinha de diversas cirandas que estavam surgindo em festivais. Me considero “mãe” de todos esses grupos, cirandeiros e cirandeiras que estão hoje na praça.”.

“Eu tava na beira da praia
Ouvindo as pancadas das ondas do mar
Essa ciranda quem me deu foi Lia
Que mora na Ilha de Itamaracá”


“Os registros por aí omitem a verdade e confundem as pessoas. Essa música é de autoria de Baracho e não foi feita para Lia de Itamaracá (o nome Itamaracá na letra, era para facilitar a rima com “as pancadas do mar”). O livro “Espetáculso Populares” diz que é da Teca Calazans. Mas essa história que eu conto é a história que eu presenciei dentro de minha casa. Se falarem porque nunca disse nada, eu respondo que nunca me perguntaram. E eu nunca precisei de promoção. Estou falando agora porque tudo tem a sua vez e hora. E também porque alguém pediu para que eu falasse de minha vida. E eu tenho que contar somente a verdade (...) No início dos anos setenta recebí medalha de menção honrosa do governador de Pernambuco pela divulgação da cultura (...) A ciranda tem que ter um som melódico, nem alto, nem baixo de mais, para que ao mesmo tempo todos cantem e dancem (...) Minha preocupação com as crianças é muito grande. Quero sempre o bem delas. Gostaria muito que as professoras de hoje ensinassem as crianças o Hino Nacional, as cantigas de roda inocentes, uma oração ao entrar na aula. Essas coisas eu considero tão importantes como aprender matemática, porque alimentam a alma e transformam o homem”.

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